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Eduardo Vítor Rodrigues

As nossas notícias são a nossa História atual. As nossas reflexões são pensamento para um futuro melhor. A nossa gente é a nossa vida. Gaia somos todos!

Eduardo Vítor Rodrigues

As nossas notícias são a nossa História atual. As nossas reflexões são pensamento para um futuro melhor. A nossa gente é a nossa vida. Gaia somos todos!

Redoma bafienta

Eduardo Vítor Rodrigues, 31.08.20

A vida social e política está cheia de mitos. Achamos erradamente que os mitos são elementos interpretativos das sociedades tradicionais, estando o mundo ocidental contemporâneo assente no racionalismo e na ciência. Ora, a realidade mostra que vivemos de mitos, idolatrias e falsos mandamentos que nos aproximam das históricas e místicas conceções tradicionais do mundo.

Quem já viu o filme “Os deuses devem estar loucos” percebe o papel mitológico da garrafa de coca-cola para a pacata tribo do diligente Xi. Atualmente, algumas garrafas caídas do céu têm tentado assumir um totalitarismo interpretativo que ilude gente, monta fanatismos e interpreta o mundo com argumentário político que parece transparente e rigoroso, sendo apenas populista e panfletário.

Muitos desses mitos assemelham-se a uma gangorra, indo e vindo como o kantiano circuito diário. Mas são perigosos: iludem ser rigorosos, quando são psicóticos, disfarçam ser transparentes, quando são panfletários e parecem ser neutros, quando têm subjacente um projeto de perigosas tretas.

É o que tem acontecido com as alegadas redes na política, tidas como fatores de ocultismo e de promiscuidade. Um agente político não pode ter religião, porque isso pode perverter a sua ação; não pode ter clube, porque isso pode levar a dúbias condutas; não pode ter um relógio novo, porque isso é sinal de fausto. E, mais do que tudo, não o pode assumir. Enfim, até pode ter religião, mas não deve ir à missa, muito menos comungar; até pode ter clube, mas não deve ir à bola, muito menos ser membro do conselho consultivo; até pode ter relógio novo, desde que seja plástico.

A procura do político “raça pura” só tem dado asneira. Que melhor transparência e forma de controlo público do que sabermos quem somos e o que fazemos? Dizem que não têm religião e rezam entre colunas; dizem que não têm clube e vendem favorecimentos como fatores desenvolvimentistas; não compram o relógio, mas viajam a locais longínquos, próximos do offshore. Aliás, há muitos básicos a discutir incompatibilidades para ver se assim há lugar para eles.

Um jornalista profissional pode comentar desporto como se fosse uma ciência, ao mesmo tempo que tribaliza o momento do golo com paixão. Um político não pode ter gostos nem filiação.

Sempre ouvi que o pior dos inimigos é o desconhecido. Um padre pode assumir que gosta de política, um político pode gostar de futebol e ambos podem adorar corridas de automóveis. Isso não diminui ninguém. Que melhor controlo público do que a informação? Se eu sei que um padre gosta de política, estarei mais atento às subtilezas das suas homilias; se eu sei que um político gosta de futebol, estarei mais atento às suas decisões.

Pior será quando nos quisermos encerrar todos nas respetivas redomas, isolando os respetivos mundos e criando vãs ilusões de pureza. Nessa altura, teremos que deixar os lugares públicos aos asséticos. Sem crenças nem gostos conhecidos, farão da vida pública um palco de encenações e de artificialismos, tornando as pessoas, não cidadãos, mas meros espetadores.

Eduardo Vítor Rodrigues

Presidente da Câmara Municipal de Gaia / Área Metropolitana do Porto

 

DATA: 15/06/2020

FONTE: https://www.jn.pt/opiniao/eduardo-vitor-rodrigues/redoma-bafienta-12309969.html

Plano ou planos

Eduardo Vítor Rodrigues, 29.08.20

Ainda guardo os históricos acetatos com que iniciei, em 1997, as funções docentes na Universidade do Porto. Históricos pela forma e pelo conteúdo. Pela forma, porque era a moderna tecnologia de então, utilizada com empenho para aulas mais cativantes. Pelo conteúdo, porque a sociedade mudou significativamente.

Nessas aulas de Sociologia do Desenvolvimento tratava-se das dinâmicas e dos modelos de desenvolvimento europeu e português. Lá apareciam o Alentejo e a RA dos Açores como os territórios da cauda do “progresso”, uma posição que parecia cristalizada pelo passado e irremediável no futuro.

Hoje, com os dados atuais e as tendências socioeconómicas recentes (e já não no acetato, mas no slide), a região Norte caiu nos lugares que ninguém gosta, sendo ultrapassada pelo Alentejo e pelos Açores na maioria dos indicadores.

Trabalhamos muito, mas ganhamos pouco. Produzimos muito, mas retemos pouco. Discursamos muito, mas congregamos pouco. Falamos da região e tratamos do talhão. Até pensamos juntos, mas acabamos a trabalhar isoladamente. E, sobretudo, cogitamos o futuro, mas estamos focados na lufa-lufa do quotidiano.

Vem isto a propósito de António Costa Silva, a escolha do Primeiro-Ministro para desenhar o plano nacional de recuperação económica. Não podia ser uma escolha mais acertada. Sabe-se que pensa e o que pensa. Tem um aguçado espírito critico, mas também sabe planear e concretizar. Problematiza o presente e tem os olhos postos no futuro, no pensamento estratégico e sistémico.

Portugal precisa de pensar e de agir para além dos tempos curtos dos mandatos. A pandemia pode ser a grande “oportunidade” para definir um caminho estruturado, participado e duradouro, em vez da casuística das medidas.

Acompanho as intervenções públicas de ACS e tive-o recentemente como speaker no curso de Auditor de Defesa Nacional. Foi um momento de excelência.

Ocorre que o Norte está pior do que a média nacional e tem especificidades estruturais que o distinguem e particularizam.

Sei que Portugal precisa, mais do que nunca, de um plano estratégico e de caminhos estruturados. Mas também sei que a diversidade do país exige linhas comuns, mas também grande atenção às especificidades desenvolvimentistas territoriais.

Tratar por igual o que é diferente pode significar reproduzir e aprofundar a desigualdade, aumentando o fosso. Precisamos de uma abordagem sistémica, mas os sistemas são complexos e incluem singularidades.

Na verdade, é possível que Portugal precise de um plano estruturalmente integrados e estrategicamente pensados, enfim, de planos. E António Costa Silva é a pessoa certa para o fazer.

Eduardo Vítor Rodrigues

Presidente da Câmara Municipal de Gaia / Área Metropolitana do Porto

 

DATA: 01/06/2020

FONTE: https://www.jn.pt/opiniao/eduardo-vitor-rodrigues/plano-ou-planos-12261383.html